Tuesday 28 October 2008

SURF: PRECONCEITO E REPERCUSSÃO AO LONGO DOS ANOS

“Gostaria de manifestar minha decepção quanto à mensagem extremamente preconceituosa que está exposta nos outdoors espalhados pelo país. Tenho 26 anos, surfo há 12, fui durante seis anos executivo de uma multinacional, falo quatro idiomas e hoje tenho a minha própria empresa em sociedade com outro surfista. Sempre busquei no surfe o aprimoramento do meu equilíbrio físico e mental para vencer a pressão de uma vida atribulada”. Daniel Campaner em nota ao anúncio veiculado na edição 1.715 da Revista Veja da Abril.

O Anúncio para divulgar o dicionário dizia: O dicionário contém 228.500 palavras, inclusive as oito que os surfistas conhecem. Uma brincadeira publicitária que acirrou os ânimos da galera do surf, e lotou a redação da VEJA de emails em reposta ao anúncio.

O preconceito da sociedade com o mundo do surf não vem de agora. É claro que hoje é muito menor, mas houve épocas que qualquer surfista era sinônimo de perigo de banditismo, drogado ou “chinelão”, que não faz nada na vida. Um esporte que hoje é praticado por uma classe elitizada, já foi alvo de críticas da mídia, perseguições policiais, e também refletiu a falta de incentivo no meio esportivo nacional.
Oficialmente o surfe começou no Brasil nos anos 60, em praias cariocas, mas foram os gaúchos que realizaram o primeiro campeonato, sediado em Torres, em 1967: o Ypiranga Caldas Junior.

No estado de Santa Catarina o surf começou a se desenvolver em meados dos anos 60, e foi trazido por cariocas e gaúchos que começaram a surfar nas ondas catarinenses. A evolução do surf no estado vinha junto com a família Sefton e Johanpetter, de Porto Alegre, e a família Catão, do Rio de Janeiro. Ambas possuíam negócios no sul do estado, e depois de passar um período na Califórnia, voltaram com algumas pranchas na bagagem.

Nessa época vigorava o enredo popular de que nem todo maconheiro era surfista, mas todo surfista era maconheiro. Eram comparados com a influência da cultura hippie que o Brasil vivia naqueles anos.

A família Catão possuía um chalé na cidade de Imbituba, que era freqüentado por Sefton e Johanpetter, os pioneiros do surfe em águas catarinenses. Os primeiros manezinhos começaram a surfar na praia da Joaquina, a movimentação era grande, e logo no ano de 1974 ocorreu o primeiro campeonato em Santa Catarina, o Piu surfboards, organizado por Paulinho Guinle, mais conhecido como “Piu”, um carioca que trocou a praia de Copacabana, para morar, surfar e fazer pranchas na Barra da Lagoa.

“O pessoal madrugava sábado e domingo na praia só para surfar, éramos tidos como malandros, vagabundos, maconheiros, só por que a maioria era cabeludo, e se vestia com jeans e camiseta” conta Piu.

A polícia também não dava mole. No segundo campeonato de Florianópolis, o Rock Surf Brotos de 1976, organizado por Cacau Menezes, houve uma blitz numa curva da estrada geral da Joaquina, onde o surfista Jucundino “Toló” Pereira Neto foi preso, juntamente com outros surfistas. Já falecido, “Toló” foi homenageado pela Câmara de Vereadores com o nome do Terminal Turístico da Joaquina.

Alberto “Bichinho” Pereira, um manézinho da ilha da época de “Toló” fala sobre o preconceito que enfrentavam os surfistas na época: “Comprei minha primeira prancha aos 16 anos, escondido dos pais, de um padeiro de Coqueiros, que deixou de pegar onda porque os surfistas eram mal vistos”, recorda Bichinho.

A explosão do surf e o fim do preconceito se deram no final dos anos 70 quando a moda surfwear repercutiu mundo afora, profissionalizando o esporte e patrocinando atletas e campeonatos. Em 1981 o surfe invadiu as salas de cinema com o filme “Menino do Rio”. “Todos os lugares, as ondas dos mares, eram aqui, bastava sonhar”, dizia a música de Caetano Veloso.

O personagem principal ganhava a vida fazendo pranchas, tinha um amigo que fora campeão no Havaí, acolhera um adolescente que fugiu de Florianópolis, e era apaixonado por uma linda menina da alta sociedade. Foi um sucesso. O público jovem curtiu o romance, gostou das pranchas, das roupas, dos shortinhos, do luau à beira-mar e das músicas “Garota Dourada” de Nelson Mota e “De repente, Califórnia” de Lulu Santos, que viraram clássicos dos anos 80.

Em 1985 a Rede Globo colocou no ar o seriado “Armação Ilimitada”, com Kadu Moliterno contracenando com o ator principal de “Menino do Rio”, André de Biase.

Também em 85, o grupo de rock paulista “Ultraje e Rigor” lançaram a música “Nós vamos invadir sua praia”, que se tornou um hit instantâneo. O surfe era um fenômeno cultural.

Quem diria depois de décadas de preconceito, o surf ganhava áreas de superstar na mídia, em novelas filmes, e não muito tempo atrás numa das maiores produções publicitárias da TV. Um comercial da linha de refrigerantes Pepsi, estrelando Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos e David Beckham surfando em uma praia paradisíaca. Isso vem a mostrar como o surf elitizou seu público nesse espaço de tempo.

O surfista Max Wolff que morou um ano na Nova Zelândia, diz que a relação da população neozelandesa com o surf sempre foi muito diferente de como se trata aqui no Brasil. Advogados, médicos, professores não escondem que são surfistas, por que a sociedade lá respeita e admira. Diferente daqui, as etapas dos circuitos são transmitidas pela televisão em horário nobre, por que o surfe é levado tão a sério para eles como o futebol pra nós.

“Ano passado quando eu estava lá, Andy Irons, Sani Garcia, Mike Faning e grandes nomes do surf estiveram surfando em alguns picos, distribuindo entrevistas e visitando instituições de câncer da Nova Zelândia. A população sempre teve essa consideração pelos surfistas, principalmente pelo fato de estar sempre cuidando da natureza” conta Max.

Recentemente a Rede Globo lançou a novela “Três Irmãs” dirigidas por Dennis Carvalho, que traz várias cenas carregadas com essa ideologia “Lifestyle” de vida. O conhecido roteirista numa entrevista cedida ao programa Vídeo Show, um dia antes do lançamento da novela, diz que gosta muito de misturar o surf em suas obras e que a tendência só deve aumentar.

“As novelas estão usando o surf, aberturas de programas também. O surf em si é muito plástico. Natureza, água em movimento... Uma onda grande com sol é uma das coisas mais lindas de se ver, e para se utilizar em qualquer coisa como imagem. A estética agrada” completando Dennis.

Segundo Marcelo Serpa, diretor de criação da agencia Almap/BBDO, em entrevista exibida na revista Fluir, do mês de Julho de 2006, o surf sempre apareceu na mídia de uma forma figurante, agora passa para frente da câmera por que virou um esporte de elite no Brasil e no mundo.

“Muita coisa no surf mudou. Os campeonatos são mais profissionais; há pessoas como Teco Padaratz falando na TV, e muito bem; o filme Fabio Fabuloso assistido pelo grande público. O surf deixa de ser um nichinho, como muitos surfistas gostariam que ficasse, e começa a ganhar outra estatura. No final, será bom para o profissional e péssimo para o amador, porque haverá cada vez gente dentro da água” afirma.


Ben-Hur Scheidt

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