Tuesday 9 December 2008

A Rua é de Todos-Capítulo 9

De casa para as ruas: A história de Davi

A mãe de Davi foi assassinada quando ele tinha 4 anos de idade. Alcoólatra o pai do garoto sempre espancava a esposa, e no dia em que a matou, quase tirou a vida do menino, não fosse à interferência de um vizinho. Depois de morar com vários parentes, o encontraram abandonado pelas ruas da cidade de Florianópolis, quando só 6 ano de idade. Encaminhado para a Fucabem, o atual Centro Educacional São Lucas, no município de São José. Davi viveu lá dos seis até os dezoito anos, onde conheceu Fernando, um dos monitores da instituição, que assumiu a figura de pai, cuidando e zelando dele.

O garoto sofria de Neurotoxoplasmose, doença que dificulta o raciocínio causa esquecimento e altera o sistema nervoso do corpo. Mas ninguém sabia ainda do que se tratava. Quando completou 18 anos, saiu da Fucabem e foi viver com familiares do interior do estado. Viveu oito anos com parentes, que achavam que os problemas mentais que ele tinha, eram conseqüência do uso de drogas. Acabou voltando para as ruas.

Apesar de adulto sua cabeça ainda agia como de criança. Sofrendo de transtorno psiquiátrico, não sabia esmolar. Não conseguia definir o que realmente precisava, nem quais eram suas necessidades. Acabava não tomando banho, comendo coisas do lixo, e coisas sem sentido.Ele nunca soube se defender, não tinha a malandragem das ruas, não sabia explicar seus problemas, e sofria discriminação e agressões.

Davi virou uma figura conhecida de alguns, era rotulado de doente por alguns que notavam que ele tinha transtornos. Algumas vezes as pessoas lhe ajudavam, em outras, era espancado e abusado por outros moradores de rua. Segundo as pessoas que cuidaram e acompanharam a trajetória de Davi, ele nunca usou drogas, mas devido aos abusos sofridos adquiriu doenças contagiosas e marcas que levará para toda a vida. Sem tratar a doença, a crise se agravava. Mal podia lembrar quem eram seus familiares, ou o endereço em que eles moravam. Isso dificultava qualquer tipo de ajuda. O tempo foi passando, e a rua que sempre foi de todos, agora virava a casa de Davi.

Encontrando descanso

Com 30 anos de idade, foi encontrado pelo programa Abordagem de Rua e trazido para a Casa de Apoio. Estava desnorteado, sofrendo convulsões, e tendo sérias crises psicológicas. As pessoas não sabiam que tipo de problema tinha. Pelo fato de não fazer nenhum tratamento, teve outros sérios problemas de saúde. Perdeu a coordenação de uma das mãos, e de uma das pernas, que o impossibilitou de exercer alguma atividade para se sustentar nas ruas. Depois de vários exames, o pessoal da Casa de Apoio, descobria finalmente a doença que Davi sofria.

Foi confirmada a Neurotoxoplasmose. O pessoal da Casa iniciou um programa de tratamento para ajudá-lo. Segundo os médicos que atendem Davi, a doença é incurável, mas pode sofrer variações e melhorias, se seguido o tratamento de maneira correta. O tratamento da doença estava sendo feito há mais de seis meses. Davi já se apresentava melhor e algumas lembranças já lhe vinham à mente.

Foi onde começou a se recordar de algumas coisas, e diariamente comentava sobre um tal Fernando, que trabalhava em uma delegacia pela região. Melissa, coordenadora social da Casa de Apoio, aplicava as medicações em Davi, não entendia muito bem a expressão do garoto, pois as lembranças dele ainda eram muito vagas. Com o passar do tempo ela foi ficando inquieta, todo o dia Davi falava do homem que trabalhava em uma delegacia.

Desde o último contato que o ex-monitor da Fucabem, havia feito com Davi, já havia se passado mais de seis anos. Mas ele ainda se recorda de ter contado ao garoto por telefone, que estava indo trabalhar na Delegacia de Palhoça. Lembrança que agora vinha á tona nos pensamentos de Davi. Certo dia na Casa de Apoio, Melissa pediu ao motorista que fosse até a delegacia mais próxima e se informasse sobre alguém que havia trabalhado na Fucabem. Para surpresa dela, o motorista encontrou um homem que confirmou ter cuidado de Davi, trabalhava na delegacia da cidade de Palhoça. Era ele, o Fernando.

O apego dos dois foi muito grande, desde quando Davi era pequeno, até a adolescência. Era como um filho para ele. Fernando perdeu o contato quando o jovem tinha 24 anos. Depois de quase sete anos sem se falar, os dois se reencontraram na Casa de Apoio. Melissa conta que foi um dos momentos mais comoventes que já presenciou no abrigo. Os dois passaram quase três horas conversando juntos. Mesmo já um homem, aos 31 anos, Davi possuía o mesmo olhar de criança olhando Fernando, o homem a quem ele atribuiu à figura de pai ainda quando pequeno.

O futuro

Davi mora hoje em uma comunidade terapêutica na Enseada do Britto, próximo de Palhoça. Melissa continua cuidando de sua medicação e dos exames médicos. Desde que começou a fazer o tratamento teve grandes melhorias no seu quadro de saúde. Quando chegou na Casa, nem podia falar, não conseguia nem se mexer direito, agora já fala corretamente e resgatou alguns movimentos que já não tinha mais. Fernando, o “padrinho” como o chamam, tem família e filhos, mas continua visitando constantemente o rapaz, e no último mês deu a Davi uma festa de aniversário, onde levou toda sua família para o conhecer.

A coordenação da Casa de Apoio tenta conseguir para Davi um (BCP) Beneficio de Prestação Continuada, uma aposentadoria para portadores de deficiência e pessoas acima de 60 anos, o que lhe garantiria uma renda para se sustentar. Por causa da doença, ele ficou impossibilitado de trabalhar, assim nunca terá condições de se manter sozinho. A rua o castigou, ele certamente não escolheu ter essa vida. Desde sua infância nunca pode fazer suas próprias escolhas, só teve perdas. Perda da mãe, da família, da saúde. Diante de todos esses fatores que abalaram sua vida, mesmo assim Davi se considera uma pessoa feliz e realizada por ter amigos e pessoas que pode confiar.

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