Sunday 7 December 2008

A Rua é de Todos-Capítulo 8

Ampliando a visão da assistência social Catarinense

Quem vive na correria pelo centro da cidade quase não vê o que acontece. Quem passa pelo mercado público, um dos símbolos históricos de Florianópolis, sabe da existência de seus tradicionais barzinhos e suas famosas peixarias. A correria é tanta que não se percebe o chafariz a esguichar uma água suja ou uma índia vendendo seus artesanatos para comprar alimento para seus três pequenos filhos. Logo á frente um amontoado de camelôs, onde se encontra de tudo. Produto falsificado compra e venda de câmbio estrangeiro, pilha pra relógio, pulseira, óculos, caneta e celular. Poucos sabem que ali é o ponto de encontro de muitos moradores de rua.

Ali trabalham inúmeras pessoas, e outras vivem quase que clandestinamente. Ainda pelo centro da cidade visito a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado, que é coordenada pela Assistente Social Úrsula Lehmkuhl Carreirão, que já desempenhou várias funções nos dez anos que trabalha lá. A conversa é longa, Úrsula me conta como são assistidos os desamparados sociais de Florianópolis e Santa Catarina. Ela me dá um panorama geral sobre o sistema de assistência social brasileiro que está sendo implantado desde 2004.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS, por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS e do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, aprovou uma apostila que implanta uma Política Nacional de Assistência Social – PNAS, e fazem únicas as entidades governamentais de assistência social pública nos municípios, criando o (SUAS) Sistema Único de Assistência Social, que abrange todo o país.

O processo de implantação do SUAS realizado em setembro de 2004, foi aprovado por unanimidade entre todas as representações dos municípios brasileiros presentes. Esse passo é considerado uma das maiores evoluções para todos envolvidos com os processos de assistência social no país. Todo o crescimento constatado pelos órgãos públicos na última década, é um reconhecimento da luta que trava a sociedade brasileira, em prol dos direitos das crianças e adolescentes, idosos, pessoas em situações de rua e desabrigados.

Resumidamente o objetivo do SUAS é dar proteção social básica a população e prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. O programa destina-se a população que vive em situação de vulnerabilidade social, decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, entre outros) e fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminação etária, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras).

Também faz parte do programa do SUAS, prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem, além de contribuir com a inclusão dos usuários e grupos específicos ampliando o acesso aos bens e serviços sócio-assistênciais básicos e especiais, em áreas urbanas e rurais.

Outra funcionalidade do SUAS é assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária. Qualquer cidadão pode usufruir dos serviços da Política de Assistência Social. De acordo com o guia da Política Nacional de Assistência Social (PNAS 2004), “a pessoa ou grupo que se encontra em situação de risco, tais como indivíduos e famílias com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso as demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social”.

Entendendo melhor os programas de Assistência Social

O Programa do SUAS é muito semelhante ao (SUS) Sistema Único de Saúde. Quando um cidadão passa a ter algum problema de saúde é encaminhado ao SUS, quando o problema passa a ser mais grave a pessoa é transferida para as policlínicas, para fazer um tratamento de média complexidade, pois lá tem mais especialistas para tratar do problema. No SUAS, é mais ou menos assim: Situações de pessoas vivendo nas ruas, famílias com dificuldades de relação que vem sofrendo maus tratos, também são atendidos por equipes especializadas que tenham um maior conhecimento para lidar com aquele tipo de situação, é um órgão chamado Proteção Social Especial.

A proteção Social Especial é dividida em algumas partes, a Fase Inicial, que faz somente o monitoramento, abordagem e acompanhamento das pessoas. A Fase de Média Complexidade, que atende famílias que ainda morem em alguma residência, ou pessoas em situação de rua que ainda possuam um vínculo com familiares, mas que não dispõe de todos os recursos básicos para sobreviver.

- No SUS quando o individuo passa para uma etapa mais crítica, é encaminhado para o tratamento de alta complexidade hospitalar que seria para uma cirurgia, um transplante, coisas assim. Já no SUAS ele passa para a Fase de Alta complexidade, o (CREAS) Centros de Referências Especializado de Assistência Social -.

Nos CREAS, são encaminhadas pessoas retiradas das ruas, das famílias, que não conseguiram reverter à situação de abandono que vivia. Por exemplo, para medir até quando uma criança pode ficar em casa aos cuidados do pai e da mãe, diante de uma situação de risco, “existe uma escala desenvolvida pela (OMS) Organização Mundial da Saúde, que define a hora da retirada da criança ou adolescente do âmbito familiar”. Não havendo condições de continuar sob custodia dos familiares a criança, por meio de decisão judicial, é encaminhada para abrigos da cidade residente, casa de famílias acolhedoras ou (ONGS) Organizações Não-Governamentais, que fazem parcerias com o município.

Em Florianópolis as famílias acompanhadas ficam sob supervisão do CREAS, mas quem fica na execução do acompanhamento são os órgãos municipais. A equipe faz o que for necessário para não deixar as crianças nas ruas, ou tentar reverter à situação de abandono da família, enviando para outros familiares que estejam dispostos a cuidar, ou sendo adotado por alguma família acolhedora. Isso em tese, porque o município não possui programa de famílias acolhedoras. Se mesmo assim não tiver condições de adaptar a criança a alguma dessas opções, o programa desenvolve um projeto de vida, inserido no próprio programa de abrigo.

Uma fatia maior

Dentro da política nacional de assistência social há uma divisão de municípios chamada de “Gestão”. Grosso modo, a gestão é calculada pela capacidade ou não do município de administrar as demandas de famílias desabrigadas. Existem alguns tipos de gestões que diferenciam uma cidade da outra. “Gestão Básica ou Inicial” é o grau que se dá quando o município está começando a ter algum tipo de programa de assistência social, ou seja, sozinho ele ainda não tem capacidade para lidar com todas as necessidades dos desabrigados inseridos em sua linha territorial.

Florianópolis está na “Gestão Plena”, teoricamente teria condições de lidar com toda a demanda de desabrigados e menores abandonados. Quando o município se encontra em condições de atender uma demanda maior do que ele já atende, é feito um pedido ao governo federal para evolução de Gestão. A mudança de gestão implica num maior ou menor financiamento dado pelo estado e pelo governo federal. Os municípios da Gestão da Fase Inicial ganham uma verba, já quem entra na Gestão Plena, consegue uma verba maior e complementos que ajudam os programas de assistência. Assim, cada município se esforça para evoluir seu número de atendimento e aumentar a verba recebida.

Ainda está sendo implantado o programa de famílias acolhedoras, que como citado anteriormente, ainda não existe em Florianópolis. Segundo Úrsula o programa requer muita a disposição das pessoas envolvidas, e elas devem estar preparadas para cuidar de uma criança abandonada ou afastada do lar. O CREAS ainda inclui serviços de assistência aos idosos desamparados, onde são fornecidas 105 vagas distribuídas entre os asilos, ONGS e casas acolhedoras que são parceiros do programa. Entretanto os maiores números de necessitados de abrigos está entre a população adulta.

Isso torna ainda mais difícil o trabalho do programa e seus parceiros, pela dificuldade que é tomar conta de um adulto. Muita gente não aceita quem vive nessa condição e muito menos se mobiliza para ajudar, julgam que quem vive nas ruas, é devido à falta de vontade de trabalhar.O preconceito gerado pela sociedade faz com que o número de vagas adultas seja muito inferior ao número disponibilizado para crianças, apesar de a necessidade adulta ser bem maior. A maioria dos abrigos dependem de verbas do governo, essas que muitas vezes têm que ser divididas entre vários programas de assistência social.

Dependem também de doações feitas por empresários, que preferem ajudar as crianças aos adultos. Enquanto o município tem uma passagem de quase 80 desabrigados e moradores de rua por mês, as vagas disponibilizadas nos albergues e outros não passam de 40, apenas a metade do que é preciso.

Ainda conta 20 vagas disponíveis para atender mulheres vítimas de violência. No estado 81 municípios têm serviços de acolhimento e atendimento institucional. Somando todas as vagas disponíveis para acolhimento, Santa Catarina conta 1974.
No geral, o número de atendidos não passa de 1200, mas existem municípios em situações mais folgadas e outros mais críticos. O estado, no panorama nacional, está entre o que mais possuem municípios na gestão plena e na média complexidade, com cerca de 40 municípios.

O Programa Abordagem de Rua, é o que mais atende pessoas, está presente em 16 cidades catarinenses atendendo cerca de 1.600 moradores de rua. Só em Florianópolis são disponibilizadas 226 vagas para atender crianças de rua ou afastadas da família, mas o índice de crianças ainda é controlado, o que faz o número de vagas ser maior que a demanda.

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